Quando ouvi o astrônomo erudito,
Quando as provas, os números, foram listados em colunas diante
de mim,
Quando me foram apresentados os mapas e diagramas, para
somar, dividir e medi-los,
Quando eu, sentado, ouvi o astrônomo no auditório em que
apresentava sua palestra com grande aplauso,
Bem cedo e sem conta me senti cansado e enojado,
Até que, levantando-me e saindo silenciosamente, fui perambular
na solidão,
No místico ar úmido da noite e, de tempo em tempo,
Mirava no céu a perfeição silenciosa das estrelas.


Publicado no livro Folhas de Relva (Leaves of Grass) por Walt Whitman (1819 – 1892), o poema acima ganhou destaque num episódio da premiada série Breaking Bad. Walt Whitman e Walter White viveram em tempos diferentes, mas tiveram um brilhante encontro nessa história.

O poema fala sobre um mal estar diante das análises excessivas, de estudos e avaliações de fenômenos que acontecem na natureza independentemente da observação humana. O sentimento é muito atual e possivelmente familiar; quantas vezes já nos sentimos assim, cansados e confinados a escutar uma longa explicação. Muitas vezes, ficamos tão concentrados em metas, números, parâmetros e referências, que acabamos nos distanciando do essencial, o que realmente importa, que é aquilo que amamos e sabemos fazer bem. O empreendedorismo, o funcionamento das corporações e os afazeres gerais do dia a dia podem consumir o tempo de modo a nos distanciar friamente da natureza de “por a mão na massa”.

Na série Breaking Bad, também fala-se muito sobre a busca por uma vivência profunda e verdadeira com o mundo; o contato com a beleza científica e a magia da química; a vontade de dedicar os dias da vida à própria vontade e a liberdade de poder fazer o que se ama.

O encontro desse lindo poema na série acontece num episódio em que o protagonista conhece Gale, seu novo assistente de trabalho. Na cena muito bem construída em que esse momento especial acontece, estão presentes apenas estes dois personagens, que parecem estar isolados do mundo no silêncio absoluto do laboratório. De fato, é um espaço que não existe oficialmente, uma vez que fora construído fora da ordem com a finalidade de desenvolver um trabalho proibido. Subterrâneo, clandestino e escondido, imagina-se encontrar um lugar sujo e improvisado, mas ao contrário do que se espera, o laboratório é surpreendentemente bem equipado com uma estrutura impecável e itens de primeira qualidade. Poucas pessoas sabem da existência desse local à margem da sociedade, tão proibido quanto fascinante. Imersos nesse ambiente, Gale e White se encontram como se estivessem numa dimensão paralela, em que o tempo é outro, sem interferências do mundo externo. Então, numa conversa sobre o porquê de estarem ali naquele laboratório secreto, Gale, que havia memorizado os versos de Walt Whitman, recita o poema completo para Walter White, numa fala natural e espontânea. O expectador, envolvido com todos os elementos anteriores, é então presenteado com esse momento poético.

Além da beleza desse momento, é interessante observar que a leitura do poema nesse contexto produz novos sentidos. Primeiro, destaca-se que as séries de TV alcancem um grande público, visto que representam um gênero de enorme sucesso da atualidade e, assim, o poeta é apresentado a toda uma nova geração. Depois, sobretudo, a referência bem colocada confere riqueza à narrativa e abre inúmeras possibilidades de leituras.

Uma delas é a seguinte: as ações de White não foram movidas somente pela paixão ao trabalho que sabia fazer bem, mas também por uma vontade extrema de vencer um jogo. Inicialmente, como um cientista ávido por chegar à resposta de um problema, ele passou a ser consumido pelo desejo desenfreado de atingir um resultado à perfeição. Ao construir seu império e consolidar a identidade de Heisenberg, o personagem concluiria sua grande obra, conquistando assim uma posição privilegiada, ocupada somente por aqueles cujos nomes se tornam memoráveis na história. Aqueles, como os grandes cientistas, filósofos e poetas, dentre os quais, Walt Whitman.

Portanto, a referência tem valor em toda a sua forma. O livro tem significado enquanto objeto, conteúdo e símbolo.

No nosso trabalho, lidamos com roteiros, temas e exposições de maneira geral. Estamos sempre de olho em bons exemplos e referências que podem nos inspirar. Após essa breve reflexão, esperamos que nossos auditórios não tenham ouvintes cansados, que nossas apresentações não permitam que o astrônomo se distancie da perfeição das estrelas e que jamais deixemos de mirar o céu.